Carta à uma drª que não gosta de fazer episiotomia e viu pela primeira vez o trabalho de uma doula

Olá, Drª,
Vejo que está começando sua carreira, recém-formada. Uma esperança, ouvir uma médica dizer preferir o normal, tendo isso, tornado-se uma raridade. Por isso, peço sua atenção.
Querida, falo à vc pelo seu desprendimento em nos revelar sua mudança de mentalidade, de preferir pela cirurgia a um momento e em seguida, após estudo, ou reflexões, preferir pela via normal de nascimento.
O movimento de humanização do parto é algo grandioso e mundial, é uma retomada do poder das mulheres em conhecer seu próprio corpo e reconhecer que se puderam conceber e gestar, também podem parir.
Vc, Drª que não gosta de fazer episiotomia…não precisa fazer em nenhum caso. Já está comprovado que a maior laceração é preferível à menor episio… pode pesquisar na Medicina Baseada em Evidências… que o que faz a laceração acontecer em proporções a se preferir um corte são os puxos dirigidos e a posição de litotomia….
O clássico livro de Leboyer, Nascer Sorrindo, leia-o, vc vai ver que já em 1974, em sua primeira edição, o famoso médico já recomendava o corte tardio do cordão umbilical para maior conforto respiratório do bebê e uma transição mais suave para o mundo externo…e hoje, já se comprova que o sangue que advém do corte tardio do cordão umbilical é um poderoso preventivo à anemia até os 6 primeiros meses de vida do bebê.
Na maternidade onde tudo começou, em Pitiviers, na França, o índice de cesarianas chegou a 6%, com mulheres satisfeitas pela experiência do parto e famílias mais integradas, com a efetiva participação dos maridos e companheiros (pais). Atualmente, no Brasil, os índices chegam a 90%, na rede pública ultrapassa 50% com índices alarmantes de morbimortalidade materno fetal, sendo que 90% dessas mortes são por motivos evitáveis. A cirurgia pela qual se extraem os bebês dos úteros de suas mães não é tão segura como muitos dizem e pensam, é somente mais cômoda para profissionais e instituições, onde se subtrai das gestantes as informações sobre os reais riscos, tanto para sua própria saúde, quanto para a saúde de seu bebê, principalmente nas que são agendadas. A OMS sinaliza para o aceitável em 15%. Por isso chega a Rede Cegonha. Integre-se, informe-se, venha fazer parte. Junte-se à nós.
Assim, se me permite, tenho algumas dicas:
– Torne-se efetiva na sua boa vontade. Empodere a mulher que estiver atendendo. Humanize o seu atendimento. Conheça o que diz a Medicina Baseada em Evidências com relação ao atendimento à gestante e à mulher parturiente. Conheça as remomendações de boas práticas fornecida pela OMS.
– Aprenda que “ser médica de tirar nenê” é diferente de ser uma parteira. Escolha o que quer ser. Compreenda a sublime missão de assistir a um parto e garantir a assistência que for necessária, se for necessária.
Minha mensagem não chega à você de forma gratuita. A cidade precisa de profissionais humanizados. Carecemos de Obstetras comprometidos com a humanização do parto.
Não precisa responder agora, nem pra mim, nem pra ninguém. Pense, estude, pesquise, informe-se, duvide. A pressão para barrar a mudança é grande e poderosa, mas o amor que surge e contagia está chegando. Isso. A mulher no centro do processo e uma equipe tratando-a com consideração, com amor, e conhecendo técnicas de alívio não farmacológicos para a dor e desconforto; como recepcionar o bebê com o mínimo de desconforto para o bebê e para a mãe, conscientes do momento precioso que estão vivenciando, favorecendo o estabelecimento precoce de vínculo, colaborando para o sucesso do estabelecimento do aleitamento, compreendendo que o parto é um evento intimamente ligado à vida sexual da mulher e do companheiro dela, que isso ainda é muito mistificado e que precisa ser respeitado e considerado.
Assim que você começar a estudar a respeito, verá que as praticas atuais, padronizadas e protocolares estão diametralmente opostas ao que é necessário que seja feito.
Assim que você começar a se informar poderá escolher. Escolher seguir em frente e descobrir o que há para ser descoberto, ou voltar atrás e fazer de conta que você não conheceu uma doula atuando, nem um parto sem nenhuma intervenção, nem cortou um cordão após cinco minutos do bebê ter nascido, nem precisou romper bolsa, nem fazer episio…
Lembre-se desse termo em suas buscas: Medicina Baseada em Evidências
Lembre-se de alguns nomes também: Michel Oden, Ricardo Jones, Jorge Khlun, Moysés Paciornik…
Vc pode estar se perguntando, como eu tb me pergunto, por que não se vê essa matéria na graduação? Tb não sei responder a essa pergunta. Talvez será porque as disciplinas são demasiadamente rígidas em seu conteúdo ao ponto de não permitirem influência de mudanças recentes? Leboyer, 1974, mas Michel Oden, tem uma obra editada em português, O Renascimento do Parto, que data de 2002, no Brasil. Isso é muito recente mesmo. Recente e urgente, necessário.
Veja também: http://www.cienciadoiniciodavida.org/principal.htm
É preciso reduzir o número de cesarianas, principalmente as eletivas e as com indicações inconsistentes, as chamadas “desnecesárias”, mas ao mesmo tempo é preciso tornar o parto normal uma experiência rica de sentidos e significados, uma experiência gratificante e satisfatória para a mulher, para que ela queira, deseje vivê-lo. É preciso que o parto seja respeitoso, íntimo e amoroso.
É isso.
Atenciosamente,
Fernanda Leite, doula e mãe da Clarissa, 18meses, nascida em casa, em Parto Domiciliar Planejado, naturalmente, sem intervenções.
Meu relato de parto: https://amaequesou.wordpress.com/category/relato-de-parto/
Vídeo com as imagens do parto: http://www.youtube.com/watch?v=GQANVSkwB8I

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